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Viva o Hip-Hop, Viva a Democracia!

Amplifique Hip Hop - Foto: Zezzynho Andraddy

Viva o Hip-Hop, Viva a Democracia!

Na última semana, participei do evento Amplifique Democracia, realizado pelo Instituto Trocando Ideia no âmbito do projeto Pontão Cultura Viva Hip-Hop.

Estive em uma mesa (roda enorme) com representantes da sociedade civil, do poder público municipal, estadual e do governo federal. Foi emocionante rever pessoas da minha geração, como Edd Wheeler e Flávia Souza, representando a Frente Nacional de Mulheres do Hip Hop do Rio de Janeiro, meu amigo Zezzynho Andraddy que há décadas registra a cultura preta e periférica do Rio de Janeiro, e testemunhar o encontro de lideranças que têm construído essa cultura ao longo das últimas décadas.

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Edd Wheeler, Dudu de Morro Agudo, Samuca Azevedo e FML – Foto: Zezzynho Andraddy

Na minha fala, destaquei que o hip-hop é uma cultura de juventude, mas que ao completar 50 anos já reúne também mestres e mestras acima dos 60 anos, que dedicaram suas vidas a esse movimento. Infelizmente, muitas dessas trajetórias estão sendo esquecidas. A história oficial privilegia poucos nomes e apaga a contribuição de milhares de lideranças comunitárias, rappers, DJs, grafiteiros, b-boys e arte-educadores que foram fundamentais para manter o hip-hop vivo, renovado e conectado com as comunidades.

Por isso é necessário que cada município conte sua própria história, apresentando seus personagens e seu território, é o que o Instituto Enraizados propõe com o projetoCartografia do Hip Hop, mapear inicialmente todos os municípios da Baixada Fluminense, iniciando por Nova Iguaçu, Paracambi e Japeri.

Mas não fui o único a reforçar essa relação entre hip-hop e democracia. As falas de Karina Gama, Gabriella Rodrigues e Roberta Martins mostraram a profundidade desse debate.

Karina Gama, diretora da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural, lembrou que o hip-hop não é apenas um movimento cultural, mas também social e político: “Estamos aprendendo a cada dia com essa organização que faz nascer a flor do concreto. É civilização, consciência crítica e transformação. São as mulheres, a intergeracionalidade, as crianças, a oralidade. Há muita coisa envolvida e não tem como não nos emocionarmos”. Para ela, o hip-hop exemplifica como a cultura é determinante social, promotora de saúde e promotora de direitos constitucionais.

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Karina Gama, diretora da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural, em sua fala no evento Amplifique Hip Hop, no Rio de Janeiro – Foto: Zezzynho Andraddy

Durante a pandemia, foram os militantes do hip-hop que se mobilizaram para levar cestas básicas a centenas de famílias em todo o Brasil. Em Morro Agudo, em Nova Iguaçu (RJ), não foi diferente: ao lado do Instituto Enraizados, estiveram na linha de frente, entregando alimentos, materiais de higiene pessoal, brinquedos, livros e outros itens essenciais diretamente nas casas das pessoas mais vulneráveis da comunidade.

Videoclipe da música Solidariedade BXD, com cenas reais da ação do Instituto Enraizados durante a pandemia

Paradoxalmente, muitas vezes são esses mesmos jovens que acabam sendo retratados de forma distorcida pela mídia hegemônica, que insiste em reforçar estigmas e preconceitos, descrevendo jovens negros da periferia como marginais, traficantes ou assaltantes. Na realidade, esses jovens são verdadeiros intelectuais orgânicos de seus territórios, no sentido proposto por Antonio Gramsci: sujeitos que, a partir da vivência e da experiência coletiva, produzem conhecimento, articulam resistência e constroem alternativas para suas comunidades.

Gabriella Rodrigues, Secretária Especial da Juventude Carioca, reforçou a dimensão territorial e racial do movimento. Ela lembrou que, em um país de origens escravocratas, tudo o que vem do povo negro, periférico e favelado ainda é visto como marginal. “Nosso público prioritário são os jovens de favela e de periferia, os jovens dos bairros mais distantes. Política pública deve ser feita para quem mais precisa. Vocês têm, em mim e na secretaria, uma aliada”, afirmou. Gabriella anunciou ainda a reforma da Casa da Juventude, na Rua Camerino, que será espaço de encontros, apresentações e produção cultural.

Roberta Martins, Secretária de Articulação Federativa e Comitês de Cultura, destacou o protagonismo das mulheres do hip-hop: “São elas que seguram a caminhada, que cuidam dos meninos para que não sejam encarcerados e que sustentam a história do movimento”. Roberta apresentou as políticas de agentes culturais — Cultura Viva, Juventude e Territoriais — que hoje garantem bolsas, formação e estrutura para jovens atuarem em seus territórios. “A democracia não se faz apenas no Parlamento. Ela também se constrói nos territórios, a partir dos movimentos sociais como o hip-hop”, enfatizou.

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Vampiro (Macapá – AP), Dudu de Morro Agudo (Nova Iguaçu – RJ), Roberta Martins (Brasília – DF) e Maninho (Porto Alegre – RS)- Foto: Zezzynho Andraddy

Essas três falas convergem para um ponto central: a cultura, especialmente o hip-hop, é base de uma democracia viva e inclusiva. A cultura não é ornamento, mas identidade e forma de existir. O Plano Nacional do Hip-Hop, fruto de debates coletivos, é prova disso: uma pauta consistente que não fala apenas de cultura isolada, mas de cultura como transversalidade que articula educação, saúde, juventude e direitos sociais.

O hip-hop é, em essência, um movimento democrático. Nasceu da periferia preta, mas acolhe todos que desejam se expressar em seus elementos. Valoriza a coletividade, o público, o direito de todos. É por isso que, quando defendemos o hip-hop, defendemos também a democracia.

Viva o hip-hop! Viva a democracia!

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Dudu de Morro Agudo é rapper, educador popular e doutor em Educação. Fundador do Instituto Enraizados, é referência na articulação entre hip hop, formação políticas. Criador da metodologia RapLab, já levou seu trabalho para escolas no Brasil, França e nos Estados Unidos, e apresentou pesquisas em eventos internacionais. Com discos, livros e documentários no currículo, sua trajetória conecta arte, educação e transformação social a partir de Morro Agudo, Nova Iguaçu.

3 comments

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Fmlgraffiti

Seremos resistência sempre

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Dudu de Morro Agudo

Sempre meu mano.

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Samuca Azevedo

Rolê muito elucidativo !!
Consegui fazer várias leituras.

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