Retratos de uma população que busca furar a bolha da educação universitária (Parte 2/2)
Encerrando esta coluna, mas não o assunto, volto o olhar para um tema que ainda pulsa forte: o sonho de furar a bolha da educação universitária, especialmente agora, com o resultado do Enem 2025 batendo à porta.
Relembrar nossa trajetória é como revisitar o início de uma revolução silenciosa. Havia uma energia viva no ar, uma mistura de expectativa, ansiedade e coragem. Muitos dos que embarcaram nesse projeto nunca haviam dado uma aula formal, tampouco participado de algo semelhante. Mas havia uma certeza compartilhada: estávamos construindo algo maior do que nós mesmos.
A cada encontro, experimentávamos, errávamos, aprendíamos e reinventávamos o caminho. Tudo era testado, ajustado, medido e aprimorado, porque o aprendizado também é isso: processo, tentativa e persistência.
Mais do que um projeto, foi (e é) uma travessia coletiva. Estudantes, educadores, produtores, parceiros — todos guiados por um mesmo desejo: democratizar o acesso ao conhecimento e romper com o destino imposto às periferias.
Não tínhamos nada de concreto, além dessa teimosia em fazer algo com a nossa marca e ir além do ensino das matérias básicas com uma abordagem apenas conteudista. Queríamos que os temas discutidos fossem muito próximos da realidade dos estudantes.
O APRENDIZADO QUE COMEÇA NA MARRETA:
Quando nem a sala existia — só um monte de escombro e mato — toda a nossa energia e saúde eram depositadas ali. A cada parede derrubada, material de obra carregado, entulho retirado, ia se desenhando o que viria a ser nosso centro de formação e preparação de seres questionadores em desenvolvimento.
Muitas horas de estudo depois, vários estudantes, apesar de todas as dificuldades, conseguiram acessar a cadeira universitária. Muitos também começaram a empreender em seus próprios projetos, reflexo do contato com um ambiente que discutia pautas pertinentes às causas da juventude.
Antes de qualquer aula, havia entulho. Antes do quadro, havia escombro. E foi ali, entre tijolos, poeira e esforço bruto, que nasceu nosso primeiro centro de formação.
Cada saco de cimento carregado, cada pedaço de chão limpo era também a construção simbólica de uma nova consciência.
Daquele esforço, floresceram mentes inquietas. Vieram horas de estudo, noites sem sono e, no fim, conquistas que pareciam impossíveis: estudantes da periferia sentando em cadeiras universitárias, jovens empreendendo seus próprios projetos e uma nova geração se reconhecendo como protagonista da própria história.
DEPOIS DAS PELEJAS… OS RESULTADOS
Sempre acreditamos que o fruto de todo esse trabalho e esforço nos traria bons resultados. Fomos reconhecidos por uma das organizações mais atuantes e influentes do Rio de Janeiro, a Casa Fluminense. Também fomos convidados a compartilhar experiências em um grupo de pré-vestibulares do RJ que realizam um trabalho relevante, muitas vezes sustentado apenas pela garra e pela coragem.
Passamos a fazer parte do CPOP (Rede Nacional de Cursinhos Populares do Governo Federal).
Alcançamos muitos resultados favoráveis, mas entendemos que, devido a várias limitações, poderíamos ir muito mais além.
Mais do que um projeto, essa jornada foi (e continua sendo) uma travessia coletiva. Estudantes, educadores, produtores e parceiros, todos guiados por um mesmo desejo: democratizar o acesso ao conhecimento e romper com o destino pré-determinado das periferias.
E talvez esse seja o ponto mais bonito dessa jornada: perceber que, ao tentar furar a bolha da universidade, nós mesmos fomos transformados. A educação deixa de ser apenas um meio e passa a ser um ato de resistência, de pertencimento e de futuro.
Porque furar essa bolha não é só entrar na universidade, é questionar o sistema que faz dela um privilégio para poucos. É olhar para o espelho e entender que o verdadeiro vestibular começa muito antes da prova: começa quando alguém da periferia decide que tem o direito de sonhar.
Se você leu até aqui, essa história também é sua. A cada jovem que insiste em estudar, a cada educador que se recusa a desistir, a cada comunidade que se organiza, a bolha racha um pouco mais. E talvez a pergunta que reste seja: o que você tem feito para transpor as barreiras que limitam a comunidade periférica?



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