O que é ser classe média hoje?
Durante décadas, ser “classe média” no Brasil foi sinônimo de estabilidade. Era ter casa própria ou prestes a quitar, um carro na garagem, filhos na escola, férias anuais, plano de saúde e a sensação de estar protegido das crises mais profundas que atingem os mais pobres. Mas o que significa, de fato, ser classe média hoje?
As mudanças econômicas e sociais das últimas décadas embaralharam essa identidade. O que antes parecia um patamar seguro, hoje é uma linha tênue, que pode se romper a qualquer imprevisto: uma demissão, uma doença grave, uma alta repentina nos preços. Muitos brasileiros que se veem como “classe média” vivem, na prática, a poucos passos da instabilidade financeira.
Parte dessa confusão vem das percepções e ilusões que cultivamos. A posse de alguns bens de consumo, como smartphone de última geração ou viagens ocasionais, não significa necessariamente segurança econômica. O crédito fácil e o parcelamento sem juros ajudam a manter uma aparência de prosperidade que nem sempre corresponde à realidade. A renda pode ser suficiente para manter um padrão, mas insuficiente para criar reservas que protejam contra crises.
Outro ponto é a autodefinição. No Brasil, é comum que famílias com renda muito acima da média nacional ainda se considerem “classe média” para se diferenciar dos muito ricos e para evitar o rótulo de elite. Ao mesmo tempo, famílias em situação mais vulnerável podem se identificar como “classe média” pelo simples fato de não se considerarem pobres. Isso mostra como a ideia de classe não é apenas econômica, mas também cultural e simbólica.
Na prática, o que marca a classe média hoje é a contradição: deseja manter um padrão de consumo elevado, mas sente o peso das contas no fim do mês; valoriza a educação, mas se preocupa com o custo de escolas e universidades; busca lazer e conforto, mas vive sob a pressão de um mercado de trabalho instável. E, sobretudo, teme “cair” socialmente — um medo que molda decisões, votos e modos de viver.
Repensar o que é ser classe média exige ir além do consumo e olhar para as condições reais de vida, para a capacidade de enfrentar imprevistos e para a qualidade dos serviços públicos que substituem ou complementam o que o bolso não alcança. Sem essa reflexão, continuaremos presos a uma ilusão que nos impede de compreender as desigualdades do país — e de agir para mudá-las.
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