Música negra, lucro branco
A história da música negra é, ao mesmo tempo, uma narrativa de resistência e um manual sobre apropriação cultural. Do blues ao rap, passando pelo jazz, soul e funk, sons que nasceram da dor, da celebração e da criatividade de comunidades negras foram — e ainda são — transformados em produtos lucrativos para indústrias que pouco devolvem a essas mesmas comunidades.
O fenômeno não é novo. Basta lembrar que, nos Estados Unidos, Elvis Presley tornou-se “o rei do rock” com um som profundamente enraizado no blues e no gospel negro. No Brasil, o samba, inicialmente criminalizado e marginalizado, passou a ser lucrativo apenas quando mediado por vozes e empresas brancas. Hoje, no hip hop, um gênero que surgiu como denúncia e afirmação, vemos a mesma lógica: quanto mais o rap se torna rentável, mais a indústria tenta diluir seu conteúdo e afastá-lo de suas raízes políticas.
O problema não é que pessoas brancas façam ou apreciem música negra. O problema é quando elas se beneficiam desproporcionalmente dela, ocupando os espaços de maior visibilidade e remuneração, enquanto artistas negros enfrentam barreiras estruturais para acessar os mesmos recursos. É quando a indústria cria um “rap seguro para o consumo” que não confronta racismo, desigualdade ou violência policial, mas mantém o ritmo e a estética que vendem.
Além disso, há a questão dos direitos autorais e da gestão do lucro. Muitos artistas negros, especialmente os de origem periférica, entram no mercado sem conhecimento jurídico e acabam assinando contratos abusivos. Enquanto isso, selos e gravadoras — majoritariamente controlados por empresários brancos — acumulam fortunas. É a mesma engrenagem de sempre: o talento vem do gueto, o lucro fica no asfalto.
Romper esse ciclo exige mais do que consciência individual; exige estrutura. Isso significa fortalecer selos independentes negros, garantir acesso a editais de cultura, oferecer formação em gestão e direito autoral, e criar redes de distribuição que não dependam das grandes corporações. Também significa que o público precisa estar disposto a apoiar financeiramente e dar visibilidade a artistas que mantêm viva a essência da música negra.
No fim das contas, a pergunta central é: quem colhe os frutos da música que nasceu para ser resistência? Enquanto a resposta continuar sendo “quase sempre, não quem a criou”, estaremos repetindo uma história que deveria ter ficado no passado.
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