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Será que o nosso “Trump dos Trópicos” era na verdade um “Mandarim Tupiniquim”?

Mandarim dos Tupiniquim

Será que o nosso “Trump dos Trópicos” era na verdade um “Mandarim Tupiniquim”?

Olá leitores e leitoras dessa minha coluna semanal. Sempre às segundas eu preparo um texto pra refletir com vocês.

Escrever uma coluna semanal não é fácil, ao mesmo tempo em que são muitos temas possíveis, às vezes nenhum se desenvolve bem. Quase sempre eu escrevo na madrugada de domingo para segunda. E hoje não foi diferente.

Comecei a escrever após uma conversa com minha mãe sobre política. Demos umas boas risadas.

Vamos ao texto para ver se vocês acham graça também.

Durante muito tempo, Jair Bolsonaro foi visto e vendido como um personagem de grandes proporções. Como deputado federal, se consolidou na cena política brasileira com uma postura agressiva, marcada por discursos inflamados contra mulheres, pessoas LGBTQIA+, indígenas, negros e até contra colegas parlamentares. Sua retórica era recheada de palavrões, ofensas e provocações. Ele não precisava apresentar projetos relevantes ou construir articulações sólidas: bastava a performance do “capitão bravo”, sempre pronto para bradar contra seus inimigos imaginários e arrancar aplausos de uma parcela da população cansada das velhas promessas da política tradicional.

Quando chegou à presidência, essa figura grotesca ganhou proporções ainda maiores. A imprensa internacional o apelidou de “Trump dos Trópicos”, associando-o diretamente ao ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ouvi esse termo a primeira vez quando estava lecionando na Duke University, nos Estados Unidos. Achei graça, porque nunca havia feito essa conexão, hoje em dia consigo enxergar uma proximidade assustadora.

Ambos compartilham uma linguagem populista, um estilo confrontador, uma visão conservadora de mundo e uma habilidade peculiar de usar redes sociais como ferramenta de guerra cultural. Durante seu governo, Bolsonaro foi tratado, por muitos, como um tirano em ascensão: alguém capaz de corroer instituições democráticas, enfraquecer a ciência, manipular a fé e colocar o país sob uma lógica autoritária.

Mas a pergunta que ecoa agora, com o fim de seu mandato e diante dos escândalos que o cercam, é: será que Bolsonaro foi realmente esse grande estrategista, um “cérebro maligno” da política brasileira? Ou será que sua imagem de tirano foi, na verdade, uma construção cuidadosamente arquitetada para servir a outros interesses?

É nesse ponto que entra a metáfora com o filme Homem de Ferro 3. Na trama, o mundo acredita que o grande vilão é o Mandarim, um terrorista misterioso que aparece em vídeos, espalha medo e ameaça a ordem global. O Mandarim é mostrado como o rosto do mal. No entanto, o que se descobre é que ele não passa de Trevor Slattery, um ator britânico decadente contratado para interpretar o papel. O verdadeiro cérebro por trás dos ataques é Aldrich Killian, o cientista que manipula tudo nos bastidores. Ou seja, o vilão era, na verdade, uma farsa bem encenada.

Quando observamos Bolsonaro hoje, é impossível não fazer o paralelo. Ele foi apresentado ao Brasil como o “Trump dos Trópicos”, um líder tirano que falava grosso, parecia desafiar instituições e ameaçava se perpetuar no poder. Porém, os acontecimentos recentes — desde os áudios de Silas Malafaia dando ordens claras sobre como deveria agir, até as brigas públicas entre ele e seus próprios filhos, como Eduardo Bolsonaro, que o trata mais como subordinado do que como líder — revelam outra face.

Bolsonaro pode não ter sido o estrategista que imaginávamos. Talvez ele tenha sido apenas o “Mandarim tupiniquim”: um personagem criado para encarnar o papel de vilão, mas que, no fundo, não passava de fachada.

A cada dia, novas revelações reforçam essa percepção. Empresários bancaram suas campanhas e exigiam retorno. Militares assumiram cargos-chave e ditaram rumos do governo. Pastores influentes, como Malafaia, orientavam falas e estratégias. Até os filhos de Bolsonaro se mostraram, muitas vezes, mais articulados e estratégicos do que ele próprio. A grande questão é: quem, afinal, controlava esse “Mandarim dos Trópicos”?

Se formos honestos, a resposta pode ser múltipla. Bolsonaro foi manipulado por setores do mercado, por militares, por líderes religiosos e por sua própria família. Ele era o rosto, a máscara, o ator que encenava a farsa. Mas quem realmente puxava os cordões variava conforme a ocasião. O que permanece, no entanto, é a constatação de que o homem que se vendia como tirano nunca passou de um personagem limitado, conduzido por outros.

Essa percepção é incômoda porque desmonta a imagem de Bolsonaro como líder absoluto. Mostra que ele nunca foi o “grande mal” sozinho, mas sim o símbolo de um projeto coletivo que soube usar sua ignorância, sua violência verbal e sua figura caricata para avançar agendas mais profundas. O Bolsonaro que se apresentava como destemido não passava de uma versão política do Mandarim: um ator de novela ruim, escalado para dar rosto a um enredo perverso.

No final das contas, talvez o maior erro de quem lutou contra Bolsonaro tenha sido acreditar que ele era, de fato, o cérebro por trás da máquina. Não era. Ele era a máscara. A cada revelação, a cada áudio vazado, a cada postura submissa diante de seus próprios aliados, fica mais evidente que Bolsonaro não foi o “Trump dos Trópicos” que imaginávamos. Foi, sim, um Mandarim tupiniquim.

E isso nos leva à reflexão final: se é bom ou ruim que tenhamos descoberto essa farsa, só o futuro poderá responder. A ilusão do tirano caiu, mas os verdadeiros controladores do Mandarim continuam atuando nos bastidores. E é contra eles que, talvez, a sociedade brasileira ainda precise lutar.

No fim das contas, a gente achou que tinha um “Trump dos Trópicos”. Mas, na verdade, temos apenas um Mandarim tupiniquim.

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Dudu de Morro Agudo é rapper, educador popular e doutor em Educação. Fundador do Instituto Enraizados, é referência na articulação entre hip hop, formação políticas. Criador da metodologia RapLab, já levou seu trabalho para escolas no Brasil, França e nos Estados Unidos, e apresentou pesquisas em eventos internacionais. Com discos, livros e documentários no currículo, sua trajetória conecta arte, educação e transformação social a partir de Morro Agudo, Nova Iguaçu.

3 comments

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Fml

Muitooo boa essa a matéria.

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Daniel Mati

Artigo muito bem construído. Só demonstra como o personagem dele foi idealizado, materializado e roteirizado em um projeto imperialista e subordinado aos interesses de uma elite neoliberal… E vou mais além, atrevo a chamá-lo de “Tarzan Latino-Americano”. Tendo em vista que esse verme, como o personagem do filme, nada mais é do que uma analogia para esconder os preconceitos, discriminações e os interesses do neocolonialismo.

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Samuca

Brasil virou o Multiverso da dissonância cognitiva.

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