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Arte engajada ainda importa?

Arte engajada ainda importa?

O rap nasceu como voz de denúncia. Desde as primeiras rimas improvisadas nas esquinas, foi um espaço para falar sobre desigualdade, racismo, violência policial e resistências cotidianas. No Brasil, essa herança ecoou forte, com MCs transformando batidas em manifestos. Mas, nos últimos anos, cresce uma tendência que preocupa: o avanço de letras cada vez mais apolíticas, focadas no consumo, na ostentação e no entretenimento sem reflexão.

Não se trata de dizer que todo rap precisa ser militante ou que artistas não possam cantar sobre diversão, romance ou conquistas pessoais. A questão é outra: quando a maioria da produção abandona o conteúdo crítico, perde-se uma parte essencial da potência do gênero — aquela que conecta a arte à transformação social.

Esse cenário contrasta com um momento histórico importante: a implementação da Lei Aldir Blanc, que injetou recursos públicos no setor cultural em meio à pandemia. A lei representou não apenas um alívio financeiro, mas também uma oportunidade de ampliar o alcance da produção cultural para públicos e pautas historicamente marginalizados. Muitos artistas e coletivos de rap puderam gravar discos, realizar shows, promover oficinas e produzir conteúdos que dialogavam diretamente com a realidade de suas comunidades.

A Aldir Blanc provou que é possível investir em arte como ferramenta política e social. Projetos financiados pela lei mostraram que o rap engajado não é um nicho: é um instrumento de formação, mobilização e autoestima coletiva. Eles reafirmaram que a música pode ser ponte entre a periferia e o debate público, traduzindo questões complexas em versos que chegam a milhares de pessoas.

No entanto, essa mesma política cultural convive com um mercado que premia mais o hit viral e a estética de consumo do que a mensagem. Plataformas digitais e gravadoras muitas vezes impulsionam conteúdos mais “neutros” — não por acaso, neutros para quem não vive a realidade das ruas. Esse filtro econômico e algorítmico tem impacto direto sobre quais vozes ganham espaço.

Arte engajada ainda importa? Importa mais do que nunca. Em um país com tantas desigualdades e conflitos, a cultura que se recusa a tomar posição acaba, mesmo sem querer, reforçando o status quo. A função política do rap não se perdeu; o que se perdeu foi o equilíbrio entre arte como mercadoria e arte como movimento. Retomar esse equilíbrio é urgente, e políticas como a Lei Aldir Blanc mostram um caminho possível: investir em quem cria para transformar.

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