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A fome que a gente não vê

A fome que a gente não vê

Fome. Uma palavra curta, mas que carrega um peso imenso. No imaginário de muitos, ela é uma cena distante: crianças de barrigas inchadas em campos áridos, pessoas pedindo comida nas ruas, rostos marcados pela desnutrição. Mas a fome que mais assola o Brasil, hoje, não está apenas nas estatísticas ou nas imagens que circulam em campanhas de doação. Ela é silenciosa, cotidiana e, justamente por isso, perigosa: é a fome que a gente não vê.

Essa fome invisível vive ao lado de quem ainda consegue trabalhar, mas não consegue se alimentar direito. Ela mora em casas com geladeiras quase vazias, onde o almoço é esticado com água para render, onde a proteína é substituída por carboidratos baratos, e onde as crianças vão para a escola sem café da manhã, tentando disfarçar o cansaço. É a fome que não grita nas ruas, mas mina a saúde, a concentração, a dignidade e o futuro.

Muitas vezes, ela é mascarada por estatísticas que olham apenas para a “extrema pobreza” ou para a “insegurança alimentar grave”, como se a fome só existisse quando o prato está totalmente vazio. A realidade é mais complexa. Há milhões de brasileiros que vivem numa corda bamba: comem hoje, mas não sabem o que terão amanhã; substituem refeições por lanches ultraprocessados; alimentam-se, mas não se nutrem. É a fome disfarçada de sobrevivência.

O mais cruel é que essa fome está presente em todas as regiões, e muitas vezes ao lado da abundância. Bairros ricos e pobres podem compartilhar o mesmo CEP, mas não a mesma mesa. Essa desigualdade invisível cria um abismo silencioso, que não aparece nas propagandas eleitorais nem nos discursos de inauguração de obras. E, como não é vista, não é prioridade.

A fome que a gente não vê tem consequências profundas: crianças que não aprendem na escola, adultos que perdem produtividade no trabalho, famílias inteiras presas num ciclo de pobreza e baixa expectativa de vida. Não é apenas uma questão de estômago vazio — é um problema estrutural, que atravessa educação, saúde, economia e cidadania.

Enfrentá-la exige mais do que campanhas pontuais de doação. É preciso políticas públicas duradouras, distribuição justa de renda, fortalecimento da agricultura familiar e um olhar honesto sobre as desigualdades que naturalizamos. Também é preciso que cada um de nós reconheça que a fome não é só uma estatística distante: ela pode morar na casa ao lado.

Enquanto a fome que a gente não vê continuar sendo invisível para quem toma decisões, ela continuará devorando silenciosamente vidas e futuros. Ver é o primeiro passo para mudar.

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