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A religiolização do rap

Religião e o Rap

A religiolização do rap

Ultimamente estamos observando mais de perto as vertentes do rap, seus caminhos e desdobramentos, e tentando traçar um caminho para onde isso tudo irá.

Analisando essa temática, descrevo um termo que me veio nas andanças dos meus devaneios etílicos mais recentes: “a religiolização do rap”.

Rap, cultura e a religiolização: até onde a fé cabe na batida?

O rap nasceu como cultura de resistência, como a voz de quem foi silenciado pelas estruturas sociais. Ele denunciou desigualdades, expôs cicatrizes urbanas e traduziu em versos a dor e a potência da periferia. No entanto, hoje surge um debate importante: até que ponto a inserção da religiosidade dentro dessa cena fortalece ou limita a própria essência do rap?

Quando a fé entra no jogo, ela pode enriquecer… mas também pode restringir (dependendo do ponto de vista). A religiolização acontece quando expressões culturais, originalmente plurais e contestadoras, são enquadradas em moldes dogmáticos. No caso do rap, isso pode transformar a diversidade da cena em um espaço dominado por narrativas de uma única crença, reduzindo a força de sua real proposta.

A pergunta que ecoa é: a religiolização amplia ou aprisiona o rap?

Quando a fé vira imposição e tenta monopolizar a narrativa cultural, corre-se o risco de o rap deixar de ser espaço de multiplicidade para se tornar palco de doutrinação.

O rap é força justamente porque é plural: cabe a denúncia política, o protesto social, a exaltação da ancestralidade, a fé, a crítica ácida ou até o humor. É um território de vozes diversas, e essa é sua maior riqueza. A religiolização, por outro lado, pode tentar uniformizar esse território, reduzindo a potência crítica que sempre marcou o gênero.

Falar de religiolização não é rejeitar a presença da fé no rap. É reconhecer que a cultura é maior que qualquer religião. É defender que o rap continue sendo espaço livre para todas as vozes: as que creem, as que questionam, as que denunciam e as que sonham.

O rap não pode perder sua essência de multiplicidade. Se a fé rima, ótimo. Mas ela não pode ser a única batida possível.

Rap e a religiolização da cultura: quando a fé quer monopolizar o beat

O rap nasceu para ser grito, não sermão. Foi forjado na rua, no protesto, na cicatriz aberta da desigualdade. Mas, aos poucos, assistimos a uma movimentação perigosa: a religiolização da cultura. E aqui a questão não é fé: é poder, controle e manipulação (aí é que mora o perigo). Quando o microfone vira púlpito e o palco vira altar, o rap, que sempre foi espaço plural e contestador, começa a ser domesticado.

É como se a rua, antes livre e anárquica, passasse a ter “censura espiritual”: só pode rimar se louvar. Isso é perigoso. A religiolização não liberta; ela enquadra.

E aí, me pergunto: quem ganha quando a periferia troca o protesto por um “amém”?

Rap é cultura, não religião. Cultura é plural, suja, contraditória, cheia de vozes. O perigo da religiolização é tentar higienizar isso, como se só uma narrativa fosse válida. A diversidade do rap está justamente em ser caos, confronto, múltiplo. Reduzir isso a um discurso único é matar o rap por dentro.

Talvez seja hora de perguntar: estamos diante de uma revolução cultural ou de um novo tipo de colonização? Se antes o rap foi criminalizado pelo Estado, será que agora não está sendo domesticado pela religião?

Rap é rua, apontamento, destruição e recriação. Se a fé quiser andar junto, ótimo. Mas, se quiser mandar no rolê, é melhor se ligar: o rap nunca precisou de chancela — muito menos da religiosa.

Quem quer domesticar o rap?

A polêmica da religiolização da cultura e o risco de transformar a rua em altar

O rap nasceu como trincheira. Foi grito de revolta, denúncia do racismo estrutural, da desigualdade, da violência do Estado. Sempre foi plural, contraditório, múltiplo. Mas, nos últimos anos, cresce uma onda que desperta questionamentos: a religiolização da cultura.

O rap não foi feito para ser sermão

Quando o microfone vira púlpito.
Quando a rua vira templo.
Quando o rap, que sempre foi ferramenta de resistência, começa a soar como manual de doutrina.

Isso não é fé livre.
É um controle disfarçado de cultura.

Quem ganha quando o grito vira “amém”?

Cultura é pluralidade, é mistura, é caos criativo. O rap é forte porque é múltiplo: pode falar de dor, de amor, de política, de fé, de festa. Tentar enquadrar isso numa só narrativa religiosa é uma forma de censura mascarada.

A religiolização ameaça transformar a diversidade em dogma, a rua em altar, a batida em sermão.

Fica ligado… senão, daqui a pouco, teremos um rap fundamentalista, com figurino verde e amarelo.

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Samuca Azevedo é ator, diretor e produtor cultural de Nova Iguaçu. Integrou a primeira formação da Cia Encena de Teatro nos anos 1990 e foi um dos pioneiros do projeto Teatro em Sala. No Movimento Enraizados, estruturou a biblioteca e o telecentro, coordenou projetos como o Pontão de Cultura Preto Ghóez e o Projovem Adolescente, além de organizar oficinas, debates e eventos. Hoje, como presidente do Instituto Enraizados, articula ações culturais, educativas e comunitárias na Baixada Fluminense.

1 comentário

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Dudu de Morro Agudo

Mano, eu achava que esse lance da religiolização no rap acontecia mais nos anos 2010, quando tinha os grupos gospel, hoje em dia não vejo muito disso. Pelo menos não tenho reparado.

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