Quem tem direito à cidade?
A cidade é, ao mesmo tempo, território e palco. É nela que se cruzam culturas, histórias, afetos e disputas. Mas, para a juventude do hip hop das periferias do Brasil, essa cidade muitas vezes é um lugar de exclusão disfarçada, onde o acesso aos espaços públicos e culturais é condicionado por classe, cor e endereço.
Quando falamos em “direito à cidade”, não estamos falando apenas de poder circular fisicamente. Estamos falando de poder existir plenamente, criar, se expressar e influenciar a vida urbana. Para o jovem do hip hop, ocupar a rua com rima, dança, grafite ou beat não é só arte: é afirmação de identidade e reivindicação de pertencimento.
O problema é que essa presença nem sempre é bem-vinda. Em muitas cidades, a juventude periférica é recebida com olhares de desconfiança, abordagens policiais seletivas e tentativas de controle sobre suas expressões culturais. Batalhas de rima são interrompidas sob pretextos burocráticos, rodas de break são tratadas como “bagunça”, grafites são apagados em nome da “ordem”. É a cidade dizendo, de forma velada ou explícita, que certos corpos e vozes não são legítimos em determinados espaços.
Essa disputa é também simbólica. Enquanto o hip hop é celebrado em campanhas publicitárias, festivais patrocinados e discursos institucionais, os mesmos artistas enfrentam obstáculos para realizar eventos comunitários em praças ou centros culturais. A apropriação comercial convive com a criminalização das práticas quando elas acontecem fora dos circuitos controlados.
O direito à cidade, para a juventude do hip hop, é a luta para que praças, ruas, centros culturais e teatros sejam espaços de todos, e não apenas vitrines para poucos. É a reivindicação de que políticas culturais levem em conta as dinâmicas reais das periferias, oferecendo estrutura e segurança sem sufocar a espontaneidade que caracteriza o movimento.
Mais do que um debate sobre urbanismo, essa é uma discussão sobre democracia. Se a cidade é o lugar onde se constrói o comum, então negar a presença e a voz da juventude do hip hop é negar parte essencial da própria vida urbana. Garantir esse direito não é favor, é obrigação. É reconhecer que, sem o protagonismo das periferias, a cidade perde ritmo, cor e verdade.
Enquanto o acesso for condicionado por barreiras econômicas, raciais e culturais, o direito à cidade seguirá sendo um privilégio. E a juventude do hip hop continuará, microfone em punho, rimando contra as grades invisíveis que tentam limitar seu espaço.
Publicar comentário