Religião e política: casamento de conveniência ou ameaça à democracia?
Na Baixada Fluminense, religião e política caminham lado a lado há décadas, mas nos últimos anos essa relação se intensificou a ponto de influenciar diretamente as disputas eleitorais e as decisões administrativas. Igrejas e líderes religiosos têm papel importante na vida comunitária, oferecendo serviços, apoio social e senso de pertencimento a milhares de pessoas. Mas, quando esse capital social é convertido em moeda política, surgem questões que precisamos enfrentar: estamos diante de um casamento de conveniência ou de uma ameaça à democracia?
Em muitas cidades da região, líderes religiosos se tornaram figuras centrais nas campanhas eleitorais, capazes de mobilizar multidões, garantir votos e até definir vencedores. Essa força não é, em si, antidemocrática — afinal, todo cidadão e cidadã tem direito de participar da política. O problema aparece quando a fé, que deveria ser um espaço de liberdade individual, passa a ser usada como instrumento de pressão, manipulação e troca de favores.
Não é raro encontrar candidatos que, sem apresentar propostas consistentes para problemas estruturais como saneamento, transporte ou segurança, baseiam suas campanhas quase exclusivamente no apoio de comunidades religiosas. Em contrapartida, esses políticos oferecem vantagens simbólicas e materiais, como isenções fiscais, cessão de terrenos e influência sobre políticas públicas. Esse tipo de relação cria um ambiente onde interesses coletivos e direitos fundamentais podem ser subordinados a acordos restritos.
Na Baixada Fluminense, onde a presença das igrejas — principalmente evangélicas — é marcante e muitas vezes substitui o Estado em ações sociais, essa interdependência se torna ainda mais complexa. Há lideranças religiosas comprometidas com causas justas, que usam seu espaço para promover cidadania e cobrar políticas públicas. Mas também há quem transforme o púlpito em palanque, reduzindo a fé a um mecanismo de controle político.
O risco é evidente: quando política e religião se misturam sem limites claros, os valores democráticos — como pluralidade, liberdade de crença e igualdade de direitos — ficam ameaçados. A democracia exige que decisões políticas sejam tomadas com base no interesse público e na diversidade de opiniões, e não apenas nas diretrizes de um segmento religioso específico.
Na Baixada, o desafio é duplo: reconhecer a importância das instituições religiosas como parte da vida social, mas garantir que elas não sejam usadas para restringir a democracia. Isso passa por fortalecer a educação política, exigir transparência nas relações entre líderes religiosos e políticos, e ampliar os espaços de participação para além dos templos.
Se continuarmos ignorando essa discussão, corremos o risco de naturalizar uma lógica onde a fé é moeda de troca e a política, refém de alianças que não representam a pluralidade da população. Religião e política podem dialogar, mas a democracia só sobrevive se mantivermos as fronteiras bem definidas.
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