Educação clandestina: a escola que nasce do hip hop
Olá, gente boa!
Aqui é o Dudu de Morro Agudo e hoje, com atraso de uma semana – peço perdão por isso – mas quero compartilhar uma reflexão que venho amadurecendo há algum tempo sobre hip-hop e educação, tema que aprofundo na minha dissertação e tese.
A cultura hip-hop, em sua essência, nasce com um impulso natural pela busca, produção e troca de conhecimento. Desde as primeiras posses, antes mesmo da criação de organizações formalizadas, já havia uma preocupação em registrar práticas, formular projetos e compartilhar saberes com a comunidade. Essa dimensão educativa está presente desde os primórdios da cultura.
Conheci o hip-hop por volta dos 13 anos, em 1993. Meu primeiro contato foi através de uma fita cassete. A partir daí, comecei a escrever compulsivamente — experiência que, anos depois, inspiraria o nome do sarau que realizamos no Quilombo Enraizados, o Sarau Poetas Compulsivos. Essa escrita intensa me levou a buscar mais informações sobre a cultura: cada novo conhecimento me apresentava a grupos de rap que tratavam de temas ausentes na escola.
Como não encontrava esses conteúdos no ambiente escolar, buscava-os em outros espaços: ONGs, coletivos e posses que discutiam história, política, identidade e sociedade, comecei a chamar isso de “Educação Clandestina”. Inspirado por esses temas, comecei a compor músicas que dialogavam diretamente com esse universo.
Na escola, percebi que podia usar o rap para aprender e ensinar. Transformava conteúdos que não dominava em letras musicais, e assim internalizava os temas. Ao mesmo tempo, compartilhava esse aprendizado com meus colegas, ensinando tanto a prática do hip-hop quanto conteúdos escolares por meio da música.
Esse foi um protótipo do que, no futuro, se tornaria o RapLab: uma metodologia de produção e circulação de conhecimento em rede, a partir do rap.
O hip-hop sempre valorizou a busca pelo saber a partir da própria vivência. O hip-hop praticado na Baixada Fluminense não é o mesmo do Bronx, porque nasce de um contexto espaço-temporal diferente. Ao falar de hip-hop e educação, estamos retomando a perspectiva freireana de que “as pessoas se educam em comunhão e se libertam em comunhão”.
Trata-se de criar espaços de encontro entre diferentes sujeitos, onde experiências e percepções de mundo se cruzam e geram novos saberes coletivos a partir do discenso. Nesse processo, aprendemos sobre realidades distintas e percebemos nosso papel num mundo amplo e complexo.
Ao discutir hip-hop e educação, surge uma questão central: qual é o papel do hip-hop nesse processo formativo? O RapLab, por exemplo, é uma prática já experimentada em diferentes países, escolas, classes sociais, faixas etárias e gêneros. Nosso foco, porém, é potencializá-lo nas escolas públicas das periferias urbanas e rurais, onde o rap já está presente e se adapta a diferentes culturas.
Nessas periferias, o rap se torna uma ferramenta de emancipação política da juventude. Formação política, aqui, significa compreender que o mundo em que vivemos está em disputa, e que as condições sociais não foram definidas por uma força divina, mas construídas historicamente por ações humanas — especialmente pelos processos colonizatórios europeus.
Ao estudar a história e identificar esses processos, conseguimos tirar o poder da lógica colonizadora e construir novas narrativas. Permanecer na escola, nesse contexto, é um dos maiores atos de rebeldia, decoloniais e antirracistas que um jovem pode realizar, principalmente um jovem negro. Abandonar a escola, por outro lado, significa aceitar um lugar de subalternidade previamente definido.
A formação política é um processo que começa com a indignação: perceber que o mundo não é estático e que ocupamos um lugar ativo nessa disputa. A partir daí, buscamos conhecimento e nos tornamos militantes da própria causa.
A emancipação é um movimento individual — reconhecer-se como sujeito potente. Já a libertação é coletiva — compreender que sozinho não é possível transformar estruturas e, por isso, conectar-se a outros atores para construir novas hegemonias e imaginar outros mundos possíveis.
Viu, hip hop e educação andam juntos nesse processo de formação crítica e cidadã, é quase uma coisa só.
Até o próximo texto.
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