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Dia dos Pais e o cativeiro do capitalismo afetivo

Dudu de Morro Agudo, Imperatriz e DDZ.

Dia dos Pais e o cativeiro do capitalismo afetivo

Olá, gente boa.

Essa é minha primeira coluna – de muitas – no Nó de Rede e confesso que estou dividido sobre o que escrever. Pensei em falar de geopolítica — Brasil, Estados Unidos, BRICS, Rússia — ou sobre música e o mercado, especialmente a cultura hip-hop em Nova Iguaçu, porque estou trabalhando com foco nesse eixo. Mas decidi começar por algo que atravessa tudo isso: o cotidiano. Mais especificamente, o Dia dos Pais.

Hoje, enquanto espero meu filho se arrumar para irmos à casa da minha filha no centro do Rio — já que não conseguimos encontrar nenhum lugar em Morro Agudo ou Nova Iguaçu onde pudéssemos nos reunir e criar memórias afetivas para a posteridade — penso nas lembranças que esse dia desperta. Quando eu era criança, preparei uma surpresa para o meu pai — mesa posta, expectativa, afeto. Ele não apareceu. Voltou de madrugada, bêbado, e aquilo me chateou muito. Prometi que nunca mais comemoraria o Dia dos Pais com/para ele. Cumpri essa promessa por anos, até que, resolvi voltar atrás. Fui com ele e minha filha no mirante do Leblon. Andamos pela orla, fizemos uma foto linda. Criamos memórias que, apesar de tardias, ficaram.

Essa é a questão: a vida é tão dura e corrida que muitas vezes esquecemos de estar presentes com/para quem amamos. Perdemos a chance de criar lembranças significativas porque estamos ocupados demais lutando pela sobrevivência. O problema é que essas datas, que deveriam fortalecer vínculos, se tornaram reféns do consumo. O valor do momento é medido pelo tamanho da festa, pelo presente comprado, pelo dinheiro gasto.

O capitalismo nos empurra para um calendário emocional padronizado: Dia dos Pais, das Mães, das Crianças. Nesses dias, restaurantes estão lotados, shoppings congestionados, parques insuportáveis. Todo mundo concentrando o afeto em uma data única — e consumindo junto. É como se estivéssemos terceirizando nossas demonstrações de amor para o mercado.

Não estou dizendo que uma festinha é ruim. Mas precisamos refletir: quantas dessas memórias são realmente boas? Quantas não são marcadas pelo estresse, pelo gasto excessivo, pela comparação? O afeto verdadeiro não deveria depender de calendário nem de condições ideais de consumo.

A crítica aqui é também para mim. Sei que muitas vezes caio na armadilha de deixar para “depois” o encontro com quem amo. Por isso, minha própria recomendação é simples: criar espaços, dias e momentos fora das datas oficiais. Celebrar no meio da semana, num domingo qualquer, sem esperar a permissão do mercado para amar.

No fim das contas, romper com esse “capitalismo afetivo” é um ato político e pessoal. É resgatar o controle sobre quando e como vamos celebrar, e transformar o afeto em algo livre, cotidiano e, principalmente, nosso.

É isso, fiquem com Deus e os Orixás, ou com quem vocês quiserem ficar, mas fiquem bem!!!

Semana que vem eu volto, sempre aos domingo/segundas, mas se der saudades eu volto mais vezes durante a semana.

E óóóó… deixem comentários, os comentários são fóruns de discussão sobre os temas trazidos pelo colunista, nessse caso, eu.

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Dudu de Morro Agudo é rapper, educador popular e doutor em Educação. Fundador do Instituto Enraizados, é referência na articulação entre hip hop, formação políticas. Criador da metodologia RapLab, já levou seu trabalho para escolas no Brasil, França e nos Estados Unidos, e apresentou pesquisas em eventos internacionais. Com discos, livros e documentários no currículo, sua trajetória conecta arte, educação e transformação social a partir de Morro Agudo, Nova Iguaçu.

4 comments

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Samuca Azevedo

E pensar que a população ainda compra esse idéia.
Mas é a força da mídia fazendo valer seu poder.
Sigamos tentando mudar essa cultura em doses homeopáticas…. Mas sempre recorrente e em frente.
✊🏽👊🏽

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Baltar

Muito boa a reflexão, me trouxe tambem pensamentos sobre esse lance de concentrar o afeto nessas datas.

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Leon Lino

Muito boa a reflexão ✊🏿🖤🙏🏿

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Jhonatan Gabriel

Interessante reflexão, a gente tá condicionado a dar importância ao que os outros dizem que é importante, e o que é importante tem preço né? Rs
A verdade é que ter tempo de qualidade com os nossos é revolucionário. O mercado cria, rapta e capitaliza essas datas mas a real é que nada substitui a presença, é o que tem valor.

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